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Iraque: igrejas destruídas pelo Estado Islâmico reabrem

Publicada em: 27/10/2025 09:29 -

Duas igrejas históricas da cidade de Mosul, no Iraque, foram oficialmente reabertas após anos de restauração, marcando quase uma década desde sua destruição durante a ocupação do Estado Islâmico (EI). As cerimônias de reconsagração simbolizaram um raro momento de renascimento para a comunidade cristã local, hoje reduzida a poucas dezenas de famílias.

Na quarta-feira, moradores, líderes religiosos e autoridades internacionais participaram da reinauguração da Igreja de São Tomás, pertencente à tradição ortodoxa siríaca e datada do século VII, e da Igreja Católica Caldeia de Al-Tahira, conhecida também como “A Imaculada”. Ambas estão localizadas na Cidade Velha de Mosul, região que foi ocupada pelo EI entre 2014 e 2017. Durante o domínio jihadista, São Tomás foi transformada em prisão, enquanto Al-Tahira foi bombardeada e ficou em ruínas.

O jovem Fadi, cristão de 27 anos natural de Mosul, participou do processo de restauração e afirmou que as reaberturas representam “um sinal de esperança” para os cristãos deslocados.

“Isso mostra aos cristãos que vivem no exterior que as coisas estão melhores aqui agora, que eles podem voltar para casa”, declarou.

Um projeto de reconstrução e fé

As obras de restauração começaram em 2022, como parte de uma iniciativa internacional voltada à revitalização de marcos culturais em zonas pós-conflito. A ação foi liderada pela Fundação Aliph, instituição dedicada à proteção do patrimônio em áreas afetadas por guerras, em parceria com o Conselho Estatal de Antiguidades e Patrimônio do Iraque. O trabalho diário foi conduzido pela organização católica L’Œuvre d’Orient, sediada em Paris, sob orientação técnica do Instituto Nacional do Patrimônio da França.

Antes de iniciar a reconstrução, as equipes precisaram remover minas terrestres e artefatos explosivos remanescentes. Entre os elementos restaurados com maior cuidado estava a porta de alabastro da Igreja de São Tomás, datada do século XIII, esculpida em mármore local — o farsh — e representando Cristo com os doze apóstolos.

Os sinos das igrejas, fundidos pela tradicional Cornille Havard, na Normandia (França), voltaram a tocar sobre Mosul. A mesma fundição havia restaurado os sinos da Catedral de Notre-Dame de Paris. Em suas inscrições, destacam-se as frases bíblicas “A verdade vos libertará” (João 8:32) e “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou” (João 14:27) — mensagens de esperança e reconciliação.

O simbolismo

A cerimônia de reconsagração da Igreja de Mar Toma (São Tomás) seguiu o rito ortodoxo siríaco, enquanto a reinauguração de Al-Tahira ocorreu no dia seguinte, em celebração presidida pelo Patriarca Louis Raphaël Sako, chefe da Igreja Caldeia do Iraque. O evento contou ainda com a presença do Patriarca Ortodoxo Siríaco Mor Ignatius Aphrem II, do Ministro da Cultura Ahmed al-Badrani, do Governador de Nínive Abdul Qadir al-Dakhil, do embaixador francês Patrick Durel, e de representantes da UNESCO e da Œuvre d’Orient, conforme relatou a Syriac Press.

Em sua mensagem, o patriarca Sako afirmou que a reabertura “não é apenas uma questão de restaurar pedras, mas de restaurar a confiança — uma mensagem de paz e esperança para o povo de Mosul e de todo o Iraque”. Ele recordou que, antes da chegada dos muçulmanos no final do século VII, Mosul era um reduto cristão, com 13 igrejas caldeias e três mosteiros, hoje em sua maioria abandonados.

“Essas igrejas não são apenas pedras. Elas são a memória da fé, da história e da comunidade”, declarou o arcebispo Najeeb Michael Moussa, bispo caldeu de Mosul, durante a celebração.
“A fé pode ser ferida, mas não extinta. Cada toque de sino chama não apenas os fiéis, mas o futuro.”

O patriarca Sako também fez um apelo à convivência pacífica e ao fortalecimento do tecido social iraquiano, dizendo:

“O extremismo e o sectarismo jamais poderão construir um Estado ou paz. Precisamos reconstruir nossa sociedade com base nos valores de fraternidade, respeito e aceitação dos outros.”

Em uma observação direta ao Movimento Babilônia, grupo político iraquiano apoiado pelo Irã e liderado por Rayan al-Kildani, o patriarca declarou:

“Nós, cristãos, não temos milícias e, se tais grupos existem, eles não têm nada a ver com a ética cristã, e nós não os reconhecemos.”

Sako pediu ainda que os cristãos do Iraque possam viver com direitos plenos e iguais, sustentados por políticas e estruturas legais coerentes e inclusivas.

Herança espiritual e esperança

Igreja de São Tomás é tradicionalmente associada ao local onde o apóstolo Tomé teria passado a caminho da Índia, segundo registros da tradição oriental. Já a Igreja de Al-Tahira rememora uma aparição mariana que, conforme a história local, teria protegido Mosul da invasão persa em 1743.

Ambos os templos foram, ao longo dos séculos, símbolos de convivência entre cristãos e muçulmanos, abrigando eventos de solidariedade e oração conjunta. Hoje, com a população cristã reduzida a menos de 60 famílias em uma cidade de quase 2 milhões de habitantes, as reaberturas trazem novo ânimo a uma comunidade marcada pela dispersão e pela guerra.

O projeto de restauração integrou o programa “Mosaico de Mosul”, da Fundação Aliph, que visa reabilitar monumentos destruídos durante o conflito. Para muitos fiéis, o renascimento dessas igrejas representa mais do que a recuperação de um patrimônio físico — é o testemunho da resiliência da fé.

De acordo com o The Christian Post, o patriarca Sako resumiu o cenário atual: “Restaurar pedras é fácil; restaurar confiança é um milagre”.

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